23 de fevereiro de 2011

Contradições do salário mínimo


“Nas noites de frio é melhor nem nascer.
Nas de calor se escolhe, é matar ou morrer.

E assim nos tornamos brasileiros.”
(O Tempo Não Para - Cazuza)
No filme ‘Cafundó’ o personagem do ator Lázaro Ramos é um troteiro que carrega a vende mulas para fazendeiros. No momento em que a República enseja desabrochar, ele é convidado a ingressar nas fileiras para lutar na guerra. Após voltar ele é inquirido pela sua mãe sobre a posição do Brasil na primeira Guerra Mundial que lhe pergunta “nós estamos do lado de quem?” Certo do que diz o personagem fala: “estamos de cabeça pra baixo”.
Se o Brasil estava de cabeça para baixo antes do nascimento da República podemos ter a certeza que ele continua. O Congresso Nacional e a votação do salário mínimo são as provas cabais de nossa política desengonçada onde os lobos maus dos bosques mais obscuros buscam a peles de bons moços e os antigos heróis convertem-se em ex-heróis no intuito de manter a sua obediência serviçal a serviço dos patrões do Planalto em detrimento dos assalariados que os elegeram.
PSDB e DEM apresentaram emendas respectivamente de R$ 600,00 e R$ 560,00 ao projeto do salário mínimo. Ambos os partidos são os mesmos que na ‘Era FHC’ iniciaram o desmonte do Estado Brasileiro como crianças que desmontam um quebra-cabeça. Estas peças eram justamente as estatais brasileiras que foram vendidas ao capital internacional como se vende banana na feira ou cachaça no boteco. Ou seja: lobos na pele de cordeiros. Não é possível se apagar em uma única votação uma vasta lista de ataques contra o povo brasileiro, ou renegar um passado que historicamente prova o lado desses senhores.
Pelo outro lado o Governo deu inicio as articulações movidas por velhas chantagens. Ameaçou-se partidos da base governista pela imprensa, prometeu retaliações, amedrontou até o grande elefante do consorcio governista que é o PMDB, ameaçando-o naquilo que lhe mais assusta: perder espaços e ver cargos sendo ocupados por outras agremiações. O Planalto engrossou a voz e fechou o debate (que não foi aberto) como um adolescente rebelde e mimado que não aceita outras propostas ou se enfurece ao ter sua vontade contrariada.
Partidos como PC do B e PSB deveriam tirar a alcunha de “socialistas” e “comunistas” no momento da votação do mínimo. Dobraram suas essências diante do Governo do PT. O PDT apresentou a maior dissidência dentro da base do Governo e não poderia ser diferente em um partido que um dia foi comandado por Leonel Brizola e tem na Carta Testamento de Getúlio Vargas um dos documentos norteadores da ação política. Neste sentido o deputado Paulo Pereira se fez porta-voz da Força Sindical e de outras centrais sindicais, e o fruto desta luta rendeu nove votos da bancada pedetista, ou seja, um terço da bancada de vinte e sete deputados.
Na luta que se estendeu pelas ruas no debate sobre o salário mínimo se sentiu a ausência da CUT que em outrora se apresentava tão aguerrida e disposta a encampar a marcha de lutas e debates em defesa do trabalhador brasileiro, assim como o PT dos anos dourados, das profundas reformas e dos discursos classistas. Esta missão caiu sob os ombros da Força Sindical que lotando as galerias da Câmara Federal assumiu o papel de vanguarda na defesa dos direitos trabalhistas.
Mais acontecimentos provam que politicamente o Brasil está de cabeça para baixo. O relator do projeto do salário mínimo na Câmara Federal deputado Vicentinho do PT de São Paulo declarou inconstitucional a proposta do PSOL de R$ 700,00 com base na retroatividade que era solicitada na proposta, esquecendo-se que o reajuste salarial dos nobres deputados federais passou com retroatividade pela mesma casa e foi aprovada sem ressalvas. Vicentinho esqueceu-se também que a proposta inicial de seu governo era de míseros R$ 540,00 e o ‘acréscimo’ de R$ 5,00 surgiu tão somente para não caracterizar a desvalorização do mínimo que perderia seu poder de compra sacramentando a desvalorização de seu valor real.
Dilma Rousseff põe fim a um ciclo de crescimento do valor real do salário mínimo inaugurada com o Plano Real do ex-presidente Itamar Franco, continuada pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva que anualmente sempre concedia – no mínimo – um aumento de 1% de crescimento real do pequeno mínimo. Com os ridículos R$ 545,00 ofertados por Dilma o aumento real beira a piada: 0,3%. Ou seja, menos um terço de 1%. Uma piada que para o trabalhador não soa engraçada.
O salário mínimo que se aprovará nos próximos dias no Senado da República deve seguir para a sanção presidencial e além de interromper o ciclo de crescimento do mínimo irá sepultar as esperanças das centrais sindicais e dos trabalhadores do Brasil que sonhavam esperançosos por um aumento maior. Resta-nos lembrar que o salário indicado pela Constituição deve sanar as necessidades básicas de uma família e de acordo com o DIEESE este valor superaria a margem de R$ 2 mil. Vale também lembrar que o Getúlio Vargas que alguns segmentos da ‘esquerda do petucanismo’ considerando-o atrasado também esquecem que aquele gaucho que se suicidou pelo Brasil possuía uma política macroeconômica salarial que garantiria nos dias de hoje um salário de R$ 1,2 mi, valor bem distante dos minguados R$ 545,00 do atual Governo.
Vale lembrar ainda a ‘bondade’ dos aumentos concedidos pelo Congresso Nacional. 6,7% para o salário mínimo, 61,8% para os parlamentares e 130% para a presidente e seus ministros. Contraditório ao extremo, bizarro para um país que se diz do “futuro”.
E assim segue a sociedade, a política e o salário mínimo do país. Um Brasil grande diante de uma sociedade pequena em expressão política, uma política rasteira em ética e coerência e um salário (com todos os avanços) ainda miserável, caracterizando o grande contraste entre um país rico de povo ainda pobre.
Modesto C. Batista Neto, é Vice-Presidente da Juventude Socialista do PDT no Rio Grande do Norte.
FONTES:
Gosto de Ler – www.gostodeler.com.br
Correio Popular – www.correiopop.wordpress.com